Condenação da Justiça acende alerta em donos de grupo do WhatsApp no Brasil
Administradores de grupos de
WhatsApp devem ficar atentos com o conteúdo que não somente compartilham, mas
como outros membros também fazem uso do aplicativo. A Justiça brasileira
condenou uma jovem de 19 anos, que iniciou um grupo no mensageiro, a pagar R$ 3
mil por danos morais a outro jovem, vítima de bullying, que integrava o mesmo
grupo. A garota foi acionada pela 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de
Justiça de São Paulo a pagar a multa por não ter coibido o bullying praticado
no grupo criado por ela - uma decisão sem precedentes.
A história teve início em
2014, quando a ré - então com 15 anos de idade - criou um grupo no aplicativo
com o nome "Jogo na Casa da Gigi", reunindo colegas da escola para
assistir às partidas da Copa do Mundo em sua casa, em Jaboticabal, interior de
São Paulo. O grupo continuou ativo e integrantes começaram a ofender a vítima
com palavras homofóbicas, de acordo com o processo. Vale ressaltar aqui que a
ré não chegou a ofender a vítima, mas uma vez que ela era a única
administradora do grupo, somente ela poderia bloquear ou banir membros.
Na decisão, que data do final
de junho deste ano, a juíza Andrea Schiavo entendeu que a garota não poderia
“ser penalizada por criar um grupo em aplicativo de celular com a finalidade
exclusiva de convidar amigos para um evento em sua residência”. Apesar de
concordar com a decisão da juíza, o relator do caso, o desembargador Soares
Levada, ressaltou que a jovem poderia adicionar ou remover membros quando
quisesse e que a pena, dada a pouca idade da garota, servia mais como
advertência do que como punição.
A pena foi encarada por alguns
especialistas como uma forma de dar exemplo, de educar a população sobre o
ciberbullying e chamar atenção acerca da responsabilidade para os grupos no
WhatsApp. Mas na visão dos advogados Márcio Cots, especialista em CyberLaw pela
Harvard Law School, e o professor Ricardo Oliveira, co-autor do livro Marco
Civil Regulatório da Internet, ambos sócios do escritório COTS Advogados, a
decisão traz insegurança jurídica. "Se a intenção fosse educar, há meios
mais eficientes para isso e este não é o papel do Poder Judiciário",
criticaram os advogados. Eles lembram ainda que a decisão tratou a
administradora do grupo com mais rigor do que o Marco Civil da Internet trata
os provedores de aplicação. Afinal, provedores não são responsáveis pelo
conteúdo de terceiros. Serviços como Facebook, YouTube e Twitter não são
obrigados a remover conteúdos. Para isso, eles precisam de uma ordem judicial,
dado ainda que a remoção de conteúdo indiscriminado pode ser encarada como
censura à liberdade de expressão. Whatsapp O que você precisa saber sobre a
'Momo do WhatsApp' e os riscos que ela representa
"Ainda que moralmente
falando a exclusão ou moderação fosse a conduta mais desejável, tal conduta não
é imposta pela lei ou pelos termos de uso do aplicativo, ou seja, se exige uma
conduta moral de menor de idade que não é imposta pela lei, o que não parece
razoável", avalia Cots.
Segundo informações levantadas
pela Folha de S.Paulo, o advogado da vítima, Helder Moutinho Pereira, disse que
ainda faltam cinco pessoas que foram membros do grupo para serem julgadas. Já o
advogado da ré, Marcos Rogério dos Santos, disse que ele e a acusada optaram
por não recorrer na decisão, apesar de não concordarem. "Vamos
respeitar", disse o advogado.
Para os advogados ouvidos pela
reportagem do IDG Now!, "a liberdade de expressão não pode ser fundamento
para cometimento de ilícito de qualquer espécie, incluindo o bullying, que é
uma prática cruel". Mas eles chamam atenção para o peso desproporcional colocado
sobre a figura do moderador. "O que criará insegurança é justamente a
participação do administrador, que está sendo alçado, contra a sua vontade,
como verdadeiro xerife do grupo criado", argumentam. "A nosso ver, o
administrador do grupo deveria ser responsabilizado com a mesma inteligência
que o Marco Civil da Internet tratou os provedores de aplicação de
internet", complementam.
Um olhar atento sobre as fake
news
Um dos grandes desafios do
WhatsApp nos últimos dois anos tem sido a propagação de fake news. A companhia
tem endereçado o problema de diferentes formas, de recursos que visam reduzir o
número de destinatários para mensagens encaminhadas a bolsas de estudo
dedicadas a pesquisadores que se lancem para entender o problema. Um dos casos
emblemáticos mais recentes diz respeito ao linchamento e mortes motivados pela
disseminação de informações falsas via WhatsApp na Índia.
De acordo com pesquisa do
laboratório de segurança dfndr lab, o WhatsApp é o meio favorito para
proliferação de notícias falsas - 95,7% das fake news tiveram o aplicativo de
mensagens como disseminador neste ano. Os advogados Ricardo Oliveira e Márcio
Cots lembram que se o mesmo raciocínio da decisão do Tribunal de Justiça for
aplicado sobre o compartilhamento de fake news via WhatsApp, o administrador
poderia ser responsabilizado pelas fake news também, assim como em qualquer
caso em que um terceiro viole direito de outrem - "O que, a nosso ver,
seria um erro", reforçam.
"A regra existente no
Código Civil é bastante clara e resiste ao tempo e às novas tecnologias: Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito
(art. 186). Ora, se um terceiro viola direito de alguém, deve responder",
explicam. Mas no caso de um grupo de WhatsApp e afins, como atribuir essa
responsabilidade ao administrador em todos os casos? "Se o
"direito" violado é o de ver o ofensor excluído do grupo ou
repreendido em público, onde tal "direito" está estabelecido?
Condenar alguém com base em condutas morais, não legais, é criar tremenda
insegurança jurídica, pois as regras morais são diversas e variam de pessoa
para pessoa", sinalizam.
O que você deve fazer?
Com grandes grupos, vêm
grandes responsabilidades, mas um recurso recente lançado pelo WhatsApp visa
ajudar moderadores entre o fluxo de mensagens que outros integrantes se engajam
a compartilhar. A habilidade permite que apenas os moderadores compartilhem
mensagens - ou seja, aos outros integrantes cabe apenas lê-las.
A função permite que os
administradores definam aqueles que podem mandar mensagem, a novidade mira
grupos de chats mais corporativos ou aqueles que concentram grande número de
usuários, entretanto, pode ser útil dado a natureza diversa dos grupos. Saiba
como alterar esta configuração aqui.
Márcio Cots e Ricardo Oliveira
desencorajam aqueles que querem criar um grupo, mas não têm tempo para
administrá-lo dada a recente decisão da Justiça. "Nem sempre é possível
excluir um parente que injuriou outro sem tornar a questão um verdadeiro drama
familiar. Nos grupos profissionais a mesma coisa. Por outro lado, ainda sob a
égide da decisão, se você tem tempo e condições para moderar as conversas que
se travam no seu grupo, então é aconselhável sua atuação direta como moderador,
com exclusão dos participantes que infringirem a lei", aconselham.
Comentários
Postar um comentário